17 janeiro, 2012

Chausseestraße 125

Bertolt Brecht é para mim o maior artista do século XX. 

E por ser um homem de esquerda que nunca desviou um só passo de suas convicções políticas, é comum que seja difamado. 

É freqüente ouvirmos que Brecht, após retornar do exílio, levou uma vida burguesa e luxuosa na Berlim do pós-guerra. 

No entanto, luxo é tudo o que não encontramos no apartamento onde o poeta morou de 1953 a 1956, durante os últimos anos de sua vida. 


A escolha do imóvel foi precisa: o prédio é vizinho ao pequeno cemitério onde estão enterrados Hegel (1770-1831) e Fichte (1762-1814), com quem Brecht dividia as horas de trabalho através da janela de seu gabinete. O poeta fez questão de ser enterrado ao lado dos dois filósofos, – hoje jazem também no pequeno cemitério da Chausseestraße, Brecht e sua mulher, a atriz Hélène Weigel, além de outros nomes importantes como Hanns Eisler e Heinrich Mann. 


O apartamento reduz-se ao essencial: 


2 gabinetes de trabalho (um menor, outro maior)
1 pequeno quarto 
1 cozinha
1 banheiro.

No pequeno gabinete de trabalho, encontra-se uma boa parte da biblioteca de Brecht, além de uma mesa de madeira e de duas poltronas rústicas destinadas à leitura. Decorando as paredes, dois pergaminhos chineses e três máscaras do teatro Nô japonês. Num dos pergaminhos, versos de Mao Tsé Tung; no outro, a imagem do filósofo chinês Confúcio. 


O gabinete maior é o mais brechtiano dos cômodos:


Três grandes janelas com vista para o pequeno cemitério, piso de taco e uma grande estante que ainda guarda, na prateleira mais alta, uma série de romances policiais (Brecht era fascinado por eles) da Penguin Books.  


O gabinete é bastante espaçoso: sete mesas, cada uma sustentando um cinzeiro, circundam um grande espaço vazio por onde Brecht caminhava enquanto trabalhava.   


 As sete mesas são de madeira maciça e parecem ser resistentes o suficiente para suportar a dureza do trabalho. 


Brecht preferia os móveis antigos.


Em cima de uma das mesas (uma carteira, na verdade), um daguerreótipo de Marx e Engels. 


Na parede, duas esculturas barrocas, alemãs, representam Maria e João.  


Janelas sem cortinas. 


O mobiliário era determinado pela sua função: servir ao trabalho, às conversas e ao repouso. 


O grande gabinete dá acesso ao quarto de dormir: uma cama simples, um pequeno criado-mudo e outro pergaminho chinês. 


Tudo aquilo de que Brecht se cercava deveria ser sólido, belo e útil. 


E destinado à utilização quotidiana. 


Um grande estudioso disse uma vez: "Brecht habitou a sua obra". 


Fez dela o seu mundo possível. 




*

UMA NOVA CASA 


De volta, após quinze anos de exílio
Mudei-me para uma bonita casa.
Minhas máscaras Nô e meu pergaminho mostrando o Cético
Pendurei aqui. Andando entre as ruínas
Sou diariamente lembrado dos privilégios
Que me trouxe esta casa. Espero
Que ela não me faça indulgente
Com os buracos em que vivem tantos. Sobre
O armário com os manuscritos está
Minha mala. 

Bertolt Brecht
tradução: Paulo César de Souza