30 novembro, 2011

MIM (Musée des Instruments de Musique), Bruxelles - Parte I

Minha curta visita a Bruxelas teve destino certo: o conhecido Museu dos Instrumentos de Música (MIM), cujo acervo está localizado desde o ano 2000 nos prédios da antiga Old England – importante loja de roupas feitas sob medida. Curiosamente, os dois edifícios nos quais o MIM está instalado possuem estilos arquitetônicos bastante diferentes, sendo um Art Nouveau e outro neoclássico. O prédio neoclássico é um dos que circundam a Place Royal e insere-se na concepção arquitetônica geral da praça, realizada em 1774 pelo arquiteto Barnabé Guimard, que tinha como modelo a Place Stanislas em Nancy. Já o edifício Old England (foto ao lado) situado na Rua Montagne de la Cour é uma das mais belas construções Art Nouveau de Bruxelas, concebido em 1899 pelo arquiteto Paul Saintenoy. O Old England possui dez andares, dos quais quatro abrigam a coleção permanente do museu: nível -1 - Musicus Mechanicus; nível +1 - Traditions du Munde; nível +2 - Musique Savante Occidentale; nível +4 - Claviers et Cordes.  O acervo do MIM é composto hoje por mais de 8000 instrumentos e impressiona não pela quantidade, mas pela diversidade e raridade de suas peças. 

Atualmente, um restaurante funciona no décimo andar do Old England, onde os visitantes do museu podem subir (sem a obrigação de comer, evidentemente) para desfrutar de umas das mais belas vistas de Bruxelas. Foi por onde comecei a minha visita.

Niveau +4: Claviers et Cordes

O andar dos instrumentos de cordas e teclados é um dos mais impressionantes do museu. Logo na entrada, encontramos reconstituída a oficina de um luthier de pianos belga e uma série de maquetes que ilustram o meticuloso processo de construção dos pianos.
O museu guarda também uma bela coleção de cravos, virginais e espinetas. Abaixo, a foto de alguns dos meus favoritos:























Como todo acervo organizado cronologicamente, os instrumentos de teclado desembocam nos pianos e no século XIX. Dado o meu fraco pelas duas coisas, foi por lá que passei mais tempo me divertindo. Não conhecia o chamado piano-table (piano-mesa) cuja produção (destinada aos burgueses, músicos amadores) entre 1800-1840 era dez vezes maior do que aquela de pianos de calda e de armário. Abaixo, um dos pianos-table do museu:



Esse piano de 1818 é bastante curioso porque contém um "pedal turco" que aciona um tamborim localizado embaixo do instrumento. Durante o século XVIII, as chamadas turqueries surgem do entusiasmo existente na época pela música dos janissários – tropas de infantaria de elite do exército otomano, suntuosamente uniformizadas e famosas pelas suas fanfarras. A música dos janissários inspirou algumas composições, dentre as quais a mais famosa ainda é a Marcha Turca de Mozart, terceiro movimento da sonata K331 em Lá maior.

Dentre os pianos mais raros do MIM, não poderíamos deixar de citar o piano pyramidal abaixo:




Trata-se do piano mais antigo do museu, construído em 1745 na Alemanha por Christian Ernst Friderici, luthier que desempenhou um papel importante no desenvolvimento da construção de pianos. Mozart e Carl Philipp Emanuel Bach possuíam instrumentos feitos pelas mãos de Friderici. Hoje, apenas três dos instrumentos feitos por ele permanecem conservados ao redor do mundo, mas somente o exemplar do MIM recebe a assinatura do luthier (localizada sob a rosácea entalhada dentro da caixa de ressonância do piano). A superfície do piano é toda em marchetaria estilo Louis XV, o que contribui ainda mais à singularidade desse instrumento.


É sabido que durante o século XIX surgiram os primeiros grandes virtuoses do piano; mas eu nunca soube que, na tentativa de atingir tais virtuosismos técnicos, foram inventados verdadeiros aparelhos de ginástica para os dedos que objetivavam ampliar as possibilidades digitais dos pianistas. O chirogymnaste, por exemplo, criado em 1842 por Casimir Martin, visava aumentar a extensão da mão e obter uma força igual para cada dedo. Abaixo, fotos de dois desses pequenos aparelhos de tortura: Ochydactyl (1925) e Dactylion (1836).













Para encerrar este primeiro post sobre a minha visita ao MIM, deixo o depoimento de um aluno de Chopin, Karol Mikuli, no qual ele compara os métodos de ensino de seu mestre àqueles de Franz Liszt:

"Chopin insistia que os exercícios não devem ser apenas mecânicos, mas requerem também toda a inteligência e vontade do aluno. Ele não recomendava a repetição do exercício de vinte a quarenta vezes se o espírito do aluno estivesse em outro lugar; e, mais ainda, bania um exercício se, ao longo do mesmo, segundo o conselho de Kalkbrenner, os alunos pudessem se ocupar simultaneamente de alguma leitura".

"Em completa oposição a Chopin, Liszt sustentava que era preciso fortificar os dedos com a ajuda de um instrumento de toque pesado e resistente, repetindo continuamente os exercícios apropiados até que estivéssemos completamente esgotados e sem condições de prolongar os estudos por mais tempo. Chopin não queria nem ouvir falar de um tratamento tão atlético do piano".

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29 novembro, 2011

Nota Prévia

Algum tempo hesitei se devia abrir um blog na internet, isto é, se daria conta de atualizá-lo regularmente – a hesitação, na verdade, continua, mas a ocasião fez o ladrão, e cá estou eu, escrevendo o post de abertura.

O blog surge no final de um ano bastante atípico, passado em Paris, onde vim viver as minhas Ilusões Perdidas; surge da necessidade de me forçar a escrever e de compartilhar as experiências de cá com os amigos que lá ficaram e que tanta falta me fazem. Amigos melômanos, experiências sobretudo musicais, aviso logo: a música clássica será o principal tema tratado por aqui; afinal, foram muitos concertos, óperas e recitais aos quais assisti quase sempre sozinho, relatando-os depois às pessoas próximas, ora com um empolgado "Foi f#&*!!!", ora com um chocho "Foi ok...". Relatos que pouco dizem sobre as coisas que ouvi e que perigam cair no bololô confuso das lembranças. Quer se lembrar? Põe no papel.

Contudo, não estou planejando um diário de viagem: a certidão de nascimento dos primeiros posts será estrangeira, mas a ideia é aclimatar o blog à vida musical brasileira assim que eu estiver de volta. Não que eu tenha perdido o Brasil de vista durante este tempo em Paris, pelo contrário, a distância tem sido bastante esclarecedora ao entendimento da nossa formação supressiva, como bem definiu um crítico.

Aqueles que estão esperando um blog cheio de atualizações, acredito que decepcionarei um pouco, pois meu ritmo de escrita ainda é lento e um tanto tímido; no entanto, tenho certeza de que a meia dúzia de amigos leitores saberá da existência de novas postagens  através do Facebook, ou do telefone mesmo.

"Se não der pela Sorbonne, vai por via telefone".

É final de outono em Paris, fica então a nota solta, junto das outras tantas folhas que se desprendem por aqui.

Os desenhos do blog são de Leo Yang, a quem agradeço.

À bientôt!