Minha curta visita a Bruxelas teve destino certo: o conhecido Museu dos Instrumentos de Música (MIM), cujo acervo está localizado desde o ano 2000 nos prédios da antiga Old England – importante loja de roupas feitas sob medida. Curiosamente, os dois edifícios nos quais o MIM está instalado possuem estilos arquitetônicos bastante diferentes, sendo um Art Nouveau e outro neoclássico. O prédio neoclássico é um dos que circundam a Place Royal e insere-se na concepção arquitetônica geral da praça, realizada em 1774 pelo arquiteto Barnabé Guimard, que tinha como modelo a Place Stanislas em Nancy. Já o edifício Old England (foto ao lado) situado na Rua Montagne de la Cour é uma das mais belas construções Art Nouveau de Bruxelas, concebido em 1899 pelo arquiteto Paul Saintenoy. O Old England possui dez andares, dos quais quatro abrigam a coleção permanente do museu: nível -1 - Musicus Mechanicus; nível +1 - Traditions du Munde; nível +2 - Musique Savante Occidentale; nível +4 - Claviers et Cordes. O acervo do MIM é composto hoje por mais de 8000 instrumentos e impressiona não pela quantidade, mas pela diversidade e raridade de suas peças.
Atualmente, um restaurante funciona no décimo andar do Old England, onde os visitantes do museu podem subir (sem a obrigação de comer, evidentemente) para desfrutar de umas das mais belas vistas de Bruxelas. Foi por onde comecei a minha visita.
Niveau +4: Claviers et Cordes
O andar dos instrumentos de cordas e teclados é um dos mais impressionantes do museu. Logo na entrada, encontramos reconstituída a oficina de um luthier de pianos belga e uma série de maquetes que ilustram o meticuloso processo de construção dos pianos.
O museu guarda também uma bela coleção de cravos, virginais e espinetas. Abaixo, a foto de alguns dos meus favoritos:


Como todo acervo organizado cronologicamente, os instrumentos de teclado desembocam nos pianos e no século XIX. Dado o meu fraco pelas duas coisas, foi por lá que passei mais tempo me divertindo. Não conhecia o chamado piano-table (piano-mesa) cuja produção (destinada aos burgueses, músicos amadores) entre 1800-1840 era dez vezes maior do que aquela de pianos de calda e de armário. Abaixo, um dos pianos-table do museu:
Esse piano de 1818 é bastante curioso porque contém um "pedal turco" que aciona um tamborim localizado embaixo do instrumento. Durante o século XVIII, as chamadas turqueries surgem do entusiasmo existente na época pela música dos janissários – tropas de infantaria de elite do exército otomano, suntuosamente uniformizadas e famosas pelas suas fanfarras. A música dos janissários inspirou algumas composições, dentre as quais a mais famosa ainda é a Marcha Turca de Mozart, terceiro movimento da sonata K331 em Lá maior.
Dentre os pianos mais raros do MIM, não poderíamos deixar de citar o piano pyramidal abaixo:
Trata-se do piano mais antigo do museu, construído em 1745 na Alemanha por Christian Ernst Friderici, luthier que desempenhou um papel importante no desenvolvimento da construção de pianos. Mozart e Carl Philipp Emanuel Bach possuíam instrumentos feitos pelas mãos de Friderici. Hoje, apenas três dos instrumentos feitos por ele permanecem conservados ao redor do mundo, mas somente o exemplar do MIM recebe a assinatura do luthier (localizada sob a rosácea entalhada dentro da caixa de ressonância do piano). A superfície do piano é toda em marchetaria estilo Louis XV, o que contribui ainda mais à singularidade desse instrumento.
É sabido que durante o século XIX surgiram os primeiros grandes virtuoses do piano; mas eu nunca soube que, na tentativa de atingir tais virtuosismos técnicos, foram inventados verdadeiros aparelhos de ginástica para os dedos que objetivavam ampliar as possibilidades digitais dos pianistas. O chirogymnaste, por exemplo, criado em 1842 por Casimir Martin, visava aumentar a extensão da mão e obter uma força igual para cada dedo. Abaixo, fotos de dois desses pequenos aparelhos de tortura: Ochydactyl (1925) e Dactylion (1836).
Para encerrar este primeiro post sobre a minha visita ao MIM, deixo o depoimento de um aluno de Chopin, Karol Mikuli, no qual ele compara os métodos de ensino de seu mestre àqueles de Franz Liszt:
"Chopin insistia que os exercícios não devem ser apenas mecânicos, mas requerem também toda a inteligência e vontade do aluno. Ele não recomendava a repetição do exercício de vinte a quarenta vezes se o espírito do aluno estivesse em outro lugar; e, mais ainda, bania um exercício se, ao longo do mesmo, segundo o conselho de Kalkbrenner, os alunos pudessem se ocupar simultaneamente de alguma leitura".
"Em completa oposição a Chopin, Liszt sustentava que era preciso fortificar os dedos com a ajuda de um instrumento de toque pesado e resistente, repetindo continuamente os exercícios apropiados até que estivéssemos completamente esgotados e sem condições de prolongar os estudos por mais tempo. Chopin não queria nem ouvir falar de um tratamento tão atlético do piano".
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